Opinião
Paulo César Marques da Silva | 26 de April de 2022

A poucos dias de completar seus 60 anos a UnB perdeu um de seus quadros mais conhecidos e reconhecidos, e não apenas no cenário cultural e artístico de nossa era. Professor da casa por três décadas, Hugo Rodas era talvez o mais entusiasmado membro da comissão encarregada de promover as comemorações do aniversário, especialmente o que ele pensou como um momento catártico em que a Universidade se mostrará em praça pública, agora programado para ocorrer em junho, coroando a primeira semana de retomada das atividades presenciais. Não deu tempo de brindar conosco nessa grande festa, mas Hugo fez de sua partida uma bela celebração de sua passagem entre nós.

Alguém que escreveu emocionadamente sobre Hugo um dia desses fez uma feliz comparação entre ele e Darcy Ribeiro, lembrando que ambos enfrentaram o câncer sem se deixarem abater, esbanjando vitalidade e vibração com uma intensidade tal que poderia levar os menos informados a duvidarem da enfermidade que os corroía. Acontece que isso é apenas uma parte da verdade. A usina de criatividade e inquietação foi a marca de toda a vida, tanto para Hugo como para Darcy. Ambos viveram intensamente e dedicaram-se apaixonadamente a transformar o mundo e construir as realidades com que sonharam.

Há uma outra marca, também reveladora da natureza desses nossos personagens e que eles deixaram impregnada em tudo que fizeram: a resistência. Os dois perseveraram em seus sonhos libertadores, enfrentando as intempéries, driblando os adversários e seguindo adiante, mesmo quando os adversários queriam cantar vitória. Como disse Darcy, “horrível seria ter ficado ao lado dos que nos venceram nessas batalhas”.

Se há uma imagem perfeita para a representar a expressão círculo virtuoso, ela deve estar muito próxima da relação entre criador e criatura que Darcy e Hugo desenvolveram com suas obras, dentre as quais a própria Universidade de Brasília. Cada um a seu tempo, eles foram artífices da casa que os ajudou a compreender o mundo em sua realidade concreta. Isso não tem começo nem fim, nem mesmo quando os criadores já não estão entre nós.

Pensando bem, Hugo e Darcy são legítimos representantes de uma gente diferenciada, com quem nos acostumamos a conviver em nosso dia a dia na UnB. Gente que trouxe esse tipo de energia para a Universidade Necessária, mas que também bebeu da fonte inspiradora que ajudou a construir. Gente que brilhou e fez brilhar, espalhando pontos de luz pelo universo. Gente cuja presença que ficou é ainda maior do que o vazio que deixou quando partiu.

Seria enorme o risco de tentar colocar nomes nessa lista, muitas injustiças seriam certamente cometidas. Melhor e mais seguro, então, é reconhecer essa gente nas figuras icônicas de Hugo e Darcy, como sínteses da própria razão de ser da Universidade de Brasília — uma vibrante celebração permanente da vida e do compromisso diário de fazer o mundo mais responsável, mais livre e, portanto, mais feliz.

A todas as figuras mágicas que construíram estes 60 anos de história, mas já não estão aqui para brindar conosco, a Universidade de Brasília retribui sendo ousada, inspiradora, inquieta, libertadora, acolhedora, rebelde, atuante e necessária. A UnB é assim porque vocês continuam presentes.