Para o antropólogo Darcy Ribeiro, a Universidade de Brasília deveria "pensar o Brasil como problema". O fundador e primeiro reitor afirmou também que a UnB nascia com a missão de inovar. Foram muitos os percalços desde a sua instalação, em 21 de abril de 1962. A Universidade, entretanto, nunca deixou de encarar sem medo a realidade nacional, sempre levando em conta seu lugar de vanguarda. Ao chegar aos 60 anos, a permanece "atuante como sempre, necessária como nunca", como propõe o slogan escolhido para as comemorações do seu aniversário.
Celebrar a existência da Universidade de Brasília significa, antes de tudo, comemorar a construção da moderna capital brasileira e, assim, dar vivas à criação humana e sua capacidade de inventar a vida em novas formas, com novos conteúdos. Assim como Brasília, a instituição que tenho a hora de dirigir há cinco anos e meio é lugar de encontro de pessoas das mais diversas origens, dos mais diversos matizes e cores, das mais amplas e incríveis capacidades, pessoas que se dedicam ao ensino, à pesquisa e à extensão, professores, estudantes e técnicos empenhados em devolver à sociedade brasileira a confiança neles depositada.
Não seria demais dizer que a UnB é uma Brasília em permanente construção, uma cidade de mais de 50 mil habitantes que se renova a cada semestre, a cada formatura, a cada banca de conclusão de curso, a cada defesa de dissertação, a cada tese defendida com suor e, muitas vezes, lágrimas. Ficaram para trás os 10 mil estudantes previstos por Darcy Ribeiro, no projeto inicial de organização da UnB, como "lotação total" da Universidade ao final da década de 1970.
Com o passar do tempo, a Universidade ganhou outra vocação que faria o antropólogo soltar gritos de alegria. Somos um lugar de inclusão. Temos a ousadia de querer ensinar ao Brasil que é possível colocar para dentro todos que se sentem de fora. Para isso, não abrimos mão da excelência acadêmica. Sim, tudo ao mesmo tempo. E esse espaço de identidade e afeto, inicialmente cravado na Asa Norte do Plano Piloto, de asas abertas em todo o Distrito Federal, existe porque Brasília existe. E existe para Brasília e para todo o país, assim como a sua capital. Brasília e a Universidade são irmãs do mesmo casamento entre criatividade e desafio, entre ciências exatas e humanidades, entre conhecimento e reconhecimento.
A UnB começou sob o signo do exclusivo. Em seus dois primeiros anos, permaneceu nova, pulsante, única. Se a história do país atrapalhou o projeto que pretendeu dar corpo real a uma utopia educacional, manteve-se a vontade vitalícia de construir novas formas de conhecimento e os modos de repensar noções tradicionais, de cátedra e currículo, por exemplo. Em sua origem, a Universidade adotou o ingresso único para todos os cursos de graduação e o trânsito interdisciplinar como complemento à formação superior. A ousadia da interdisciplinaridade, entretanto, teve de disputar espaço com o excesso de disciplinaridade ao longo das décadas.
A história sexagenária da UnB fez-se de desafios e de conquistas. Próxima ao poder federal, a Universidade parece refletir a vida nacional. É uma caixa de ressonância inquieta e vibrante. O originário grito de independência pedagógica se viu, durante 20 anos, sufocado pela constrangedora situação política antidemocrática. Nos últimos anos, enfrenta restrições orçamentárias e ataques à liberdade de cátedra que pretendem silenciar a nossa razão de ser, a verdade da nossa ciência. Nossa autonomia.
A trajetória de crescimento da UnB desde a sua fundação deu-se em várias frentes ao longo dos anos. Do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) para cá tivemos ampliação expressiva com as instalações dos outros campi e polos fora do Plano Piloto e do DF, aumento de vagas, criações de cursos, abertura de polis de extensão, entre tantas outras realizações. A UnB preocupa-se cada vez mais com a democracia do acesso e a generosidade da permanência. Cada vez mais regional e nacional, ela ocupa um lugar de importância na vida de muitos jovens brasilienses e brasileiros e suas famílias.
A UnB de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira acolhe e reverbera no presente histórico o território que habitamos no cotidiano e que tanto nos deslumbra a cada pôr do sol, a cada ipê florido, a cada gota de chuva quando já não mais suportamos a seca. Brasília e sua universidade pública federal precisam estreitar cada vez mais laços, porque são parecidas na vontade do projeto original, semelhantes no desejo do desenvolvimento pleno e interior do país, próximas no gesto primeiro do arquiteto em criar beleza e espanto na prancheta, traços que se transformam em vida, linhas que viram realidade concreta, decisões que afetam toda a federação.
Quando se fala em reconhecimento nacional e internacional, a melhora nos nossos índices acadêmicos é fruto do trabalho de quem constrói a UnB dia a dia. Temos aqui grandes pesquisadoras e pesquisadores que elevam a qualidade do ensino e da pesquisa, sempre de olho na inovação. Nos últimos anos, aprimoramos nosso incentivo às publicações e, na execução de um orçamento cada vez mais escasso, demos prioridade às unidades acadêmicas, isto é, os institutos e as faculdades.
A Universidade de Brasília reforça-se nas eventuais adversidades. Fomos obrigados a reinventar a Universidade há dois anos. Primeiro, a pandemia nos deixou atônitos. Em seguida, nos trouxe à memória uma história de superações. Colocamos a mão na massa para manter nosso tripé sobre os próprios pés. Ensino, pesquisa e extensão juntaram-se a uma infinita criatividade a fim de mostrar à sociedade brasileira quem somos, o que fazemos, por que existimos, onde aplicamos as melhores energias, como devolvemos investimento e confiança à sociedade que nos sustenta.
Quando o vento está a favor, a Universidade vai muito além, para surpresa da torcida adversária e dos mais céticos. Instituiu as cotas como parte do sonho de justiça social e foi além do Plano Piloto para estar perto de outras comunidades do Distrito Federal. Entre as dez melhores federais brasileiras em praticamente todos os rankings nacionais e internacionais, a UnB continuará seu propósito de "plasmar mentalidades mais abertas, mais generosas e mais lúcidas", para citar outra vez o inventivo Darcy.
Aos 60 anos, a UnB é uma estudante rebelde que tira boas notas, ornamentada por coroas de flores do Cerrado do Planalto Central. Sabe aliar maturidade a juventude, correndo riscos calculados em mil fórmulas – exatas e humanas. Traça na arquitetura de suas construções o propósito de ser sempre mais e melhor, ainda que reconheça erros para voltar ao caminho correto. Propõe que a liberdade de circulação em seus campi no Plano Piloto, em Planaltina, no Gama e na Ceilândia sejam a extensão do conforto das casas de professores, técnicos, estudantes, colaboradores e terceirizados.
A UnB cresceu, apareceu e continua a se estender pelo território por meio de suas ações de diálogo direto com a sociedade. Se soubemos nos adaptar aos desafios da pandemia, foi porque nos mobilizamos para mostrar a força da ciência e da verdade científica quando fomos (e somos) atacados por todos os lados por fake news e negacionismo. Temos, entretanto, um diferencial: acolhimento, coração aberto, disposição ao diálogo.
A UnB inspira-se desde sempre no pensamento radical e visceral de Darcy Ribeiro. São 60 anos de história tentando mostrar como é possível educar, digamos, fora da caixinha, incorporando o que precisa ser conservado da experiência histórica, mas sempre arriscando e riscando novos caminhos. Necessária, a Universidade de Brasília atua no nunca e no sempre. Que tenha vida longa e possa fazer prosperar a vida de cidadãs e cidadãos que nela apostam sua formação, seu reconhecimento e sua felicidade.
Márcia Abrahão Moura é reitora da Universidade de Brasília e professora do Instituto de Geociências. É graduada, mestre e doutora em Geologia pela UnB, com período sanduíche na Université d'Orléans e BRGM (Orléans, França), possui pós-doutorado pela Queen´s University, Canadá. Atua nas áreas de granitos e mineralizações associadas, em depósitos do Brasil, de Cuba, do Peru e da Colômbia, nos temas: metalogenia, hidrotermalismo, inclusões fluidas, isótopos estáveis, petrologia e mineralogia.